Parte 2
3. A presença Templária e da Ordem Terceira de S. Francisco na vila de Pavia
Desde muito cedo, o número crescente de candidatos à Ordem dos frades Menores ultrapassou a capacidade de acolhimento dos eremitérios e conventos. Essa situação levou à criação de um instituto filiado na Ordem dos Frades Menores. Os seus membros viviam um estatuto de vida espiritual franciscana adaptado às condições do mundo. Era a Ordem Terceira Secular, a que pertenceram muitos reis, nobres e gente do povo. Em Portugal, “sabemos que o rei D. Sancho II foi terceiro franciscano secular. Muitos dos membros da Ordem Terceira acabavam por professar num eremitério ou convento, dando origem à Ordem Terceira Regular. Não é fácil datar a entrada e oficialização da Ordem Terceira Regular em Portugal. Sabemos, por um documento pontifício, que em 1439, Frei João da Ribeira era o seu ministro provincial. A intelectualização da Ordem Franciscana e a aceitação do ensino, como resposta à necessidade de formação dos seus membros e como instrumento de evangelização, foram duas razões que levaram os Frades Menores, sem abandonarem os eremitérios rurais, a construírem conventos nos meios urbanos, que os aproximaram das populações. Na província da Piedade era tradição o ensino do latim, filosofia e gramática.” (16) O território de Pavia foi povoado desde épocas pré-históricas, conforme o comprovam os numerosos monumentos megalíticos existentes na área. As origens do agregado populacional de Pavia, o mais antigo do concelho de Mora, remontam, segundo a tradição, a um núcleo de imigrantes italianos, chefiados por Roberto de Pavia. Por veneração e recordação da sua terra natal, este núcleo terá dado à vila o nome de Pavia. Fixados a instâncias de D. Afonso III ou de D. Dinis, tendo este último monarca concedido a primeira carta foral em 1287. Desta data até 16 de Março de 1486, altura em que foi cedida por D. João II ao Conde de Borba, D. Vasco Coutinho, comendador de Almourol (Ordem de Cristo), alcaide-mor de Santarém e capitão e herói de Arzila, com alcaidaria e direitos sucessórios, a vila pertenceu, por doação, a vários nobres e à Coroa. A Torre do Relógio está situada na frente sul da Praça, encostada à velha habitação de dois pisos, construída com certo carácter e de frente iluminada por janelas de peito graníticas, que a tradição afirma ter sido estau dos freires de Avis.
A Igreja Matriz de S. Paulo, considerado monumento nacional, foi edificada dentro do velho e destruído muramento dos alvores de quinhentos, que protegeu comummente o paço fortificado dos condes de Redondo. Nenhum documento histórico conhecido se refere às suas origens e fundamentos. Sucedeu sem dúvida à primeira igreja curada de Santa Maria, que já tinha existência paroquial no reinado de D. Dinis, em 1320, data da doação das igrejas da vila à Ordem de Avis. Estava anexa a S. Salvador de Arraiolos e note-se ainda que na freguesia de Cabeção, existe uma outra capela com a designação S. Salvador do Mundo.
Igreja de S. Paulo
Sol e Lua no interior da Igreja de S. Paulo
Cruz Orbicular e Cruz Templária na Igreja de S. Paulo
A ermida de S. Sebastião, fundação do padroado dos condes de Redondo, perdeu o seu nome de origem a partir de 1763, com a instalação, com sede anexa, da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, santo seu patronímico da actualidade. Nas pesquisas efectuadas em 2007, na freguesia de Pavia, foi identificado um objecto que atesta a presença franciscana nesse local. Trata-se de uma chancela em ferro fundido com a simbologia franciscana, e as seguintes inscrições: “VILA DE PAVIA”, “A.V. ORD.”, referindo-se à Ordem Terceira de S. Francisco. Os leigos não letrados, tal como Cristóvão Colon também se definiu, exerceram a sua actividade em Pavia, importa no entanto continuar esta investigação na busca da actividade franciscana anterior a 1763, porque conforme atesta a tradição, Pavia também foi local de recolhimento dos frades de Avis.
Chancela da Ordem Terceira de S. Francisco (séc. XVIII ou XIX)
Segundo o padre Henrique Rema, nos inventários feitos em 1834, identificou uns tantos frades de Pavia, Frei José de Pavia, então residente no convento de S. António de Évora, Frei Álvaro da Mãe dos Homens Pavia, que em 1827 estava no convento de Alcácer do Sal e em 1829/30, era o guardião do convento de Beja (citando BNL, cx 69, nº 3 (3/35 e 3/37) e Torre do Tombo, Província Algarve, Maço 88), e ainda Frei João de Pavia, estudante corista no convento de S. António de Faro, e finalmente, Frei Francisco de Mora, também corista no convento de Fronteira. Nas entrevistas efectuadas a investigadores do franciscanismo em Portugal, ao padre David do convento do Varatojo, professor Joaquim Chorão Lavajo, do Instituto Superior de Teologia de Évora, e ao padre Henrique Rema da Ordem de Frades Menores de Lisboa, todos confirmam a actividade da Ordem Terceira na freguesia de Pavia, desconhecendo a existência de um suposto convento.
(16) Joaquim Chorão Lavajo, Ordem dos frades menores no Alentejo e no Algarve
Conclusões
O franciscanismo está presente na matriz esotérica e mística da sociedade portuguesa, e foi preponderante no período da expansão e dos descobrimentos. A sua influência gerou inúmeras práticas religiosas e grande devoção, patentes na dinastia de Avis. Foi neste profundo ambiente messiânico que nasceu Cristóvão Colon, também ele bastante influenciado pelo franciscanismo, com cariz pronunciado em períodos conhecidos da sua vida, atestados pela manifestação de uma alargada cultura religiosa, sobre o Antigo e o Novo Testamentos, mas com uma tendência joaquimita fundamentada no culto do Espírito Santo, conforme a análise que decorre à sua correspondência. Nesta linha de raciocínio são identificados aspectos intrínsecos ao pensamento de Joaquim da Fiori, próprios de uma corrente, designada por franciscanismo secular, membros da Ordem Terceira de S. Francisco, que se reconhece a sua actividade em Portugal, a partir de 1439, sendo o Frei João da Ribeira o seu ministro provincial, como é atestado por documento pontifício. Porém desconhece-se efectivamente a entrada e oficialização da Ordem Terceira em Portugal. De acordo com os factos e análise aos conteúdos das cartas de Cristóvão Colon, tudo evidencia que o navegador teve contacto com os frades franciscanos desde a sua infância, e que teriam sido seus preceptores e influentes na sua formação. A ciência medieval foi muito protagonizada pelos franciscanos, e destes destacam-se como influentes no pensamento religioso de Cristóvão Colon, Joaquin da Fiori já referido, Pierre d’Ailly, Gerson e os seus grandes amigos, frades João de Marchena e Gaspar de Gorricio. São várias as fontes franciscanas que apontam Cristóvão Colon como membro da Ordem Terceira de S. Francisco, ele próprio se definiu como “leigo não letrado”, característica dos membros seculares pertencentes aquela Ordem. As referências dadas por seu filho Fernando Colon e por Bartolomé de Las Casas, quanto a ter iniciado os seus estudos em Pavia, não devem ser completamente ignoradas, sobretudo numa linha de investigação orientada para a Pavia de Portugal. A busca de evidências franciscanas na Pavia portuguesa revelou-se positiva, apesar de não encontrarmos qualquer convento ou mosteiro que aí tivesse existido. Porém, constata-se a existência de testemunhos patrimoniais relativos à presença templária, e referências a actividade dos frades de Avis, da Ordem Terceira de S. Francisco e de frades franciscanos. Sem qualquer relação de causalidade, não se pode ainda aferir sobre a relação que Cristóvão Colon teve com a Pavia de Portugal, contudo parece-nos pertinente continuar o esforço de investigação para concluir acerca desta tese. É nesta senda que iremos continuar. A intuição e o raciocínio constituem a luz da investigação histórica.
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