sábado, julho 18, 2009

O FRANCISCANISMO DE CRISTÓVÃO COLON

Palestra pelo investigador Carlos Paiva Neves,

integrada na Conferência de 23 de Maio 2009. CUBA - Alentejo

1. A Influência do Franciscanismo na Corte de Portugal durante o século XV
O ambiente messiânico vivido em pleno século XV é enquadrado numa grande influência franciscana, bem presente desde o reinado de D. João I, até ao reinado de João II. A espiritualidade e a cultura intelectual são protagonizadas por frades franciscanos, constituem-se mesmo como confessores do rei. “Frei Fernando de Astorga, frei Afonso de Alprão e frei João Xira foram confessores de D. João I; frei Vasco Pereira, de D. Duarte; frei Gil Lobo de Tavira, primeiro-ministro da província de Portugal, também foi confessor de D. Duarte, do regente D. Pedro e de Afonso V. No âmbito literário identifica-se também que a actividade de pregação foi cometida a frades menores, a maior parte deles com graus universitários; que o infante D. Fernando tencionava legar a maior parte da sua biblioteca ao mosteiro de S. Francisco de Leiria; que frei André do Prado fez do infante D. Henrique personagem dialogante no seu Horologium Fidei 2.” (1)
O rei D. Afonso V mandou edificar a partir de 1470 o convento do Varatojo, perto de Torres Vedras, tendo os primeiros frades franciscanos dado entrada quatro anos depois. Este rei tinha uma rara devoção ao S. António, também ele franciscano, Ordem a que aderiu na senda dos santos mártires de Marrocos. “O amor com que tratou sempre a nossa religião e em especial a família dos Observantes, nem a língua o pode dizer, nem a pena por mais que se remontasse nos voos da elegância o poderia declarar (Frei Manuel da Esperança). D. Afonso V deixou ainda escrito no seu testamento: tanto que eu falecer trigosamente se digam mil missas rezadas com seus responsos e dem desmolla quinze reis por cada missa com seu responso e todas seja de requiem as quaes se mandem dizer pellos moesteiros da observância de San Francisco deste regno”. (2)
A espiritualidade e religiosidade de D. João II está também marcada nos seus lugares franciscanos, de promessas e novenas em mosteiros da sua especial predilecção, como “Nossa Senhora do Espinheiro em Évora, Santa Maria das Virtudes, perto de Azambuja, S. António da Castanheira em Vila Franca de Xira, Nossa Senhora da Pena em Sintra, S. Domingos da Queimada em Armamar e a casa franciscana do Varatojo. Foram em grande número os mosteiros e capelas que dele receberam especiais doações: e em quaes quer casas que estivesse tinha oratório fechado, em que todas las noites depois de despejado, e despedido se recolhia com muyta deuaçam a rezar os sete Psalmos esse encomendar a Deos.” (3)
Após o regresso de Cristóvão Cólon da primeira viagem, decorreu o misterioso encontro com D. João II em Vale Paraíso, perto de Aveiras de Cima, e tornar-se-ia interessante analisar o conteúdo da conversação estabelecida neste encontro, “embora seja difícil definir o seu exacto significado, que D. João II se refugia em Torres Vedras, em cuja região está desde o final de Março até finais de Setembro.” (4)
Este refúgio está certamente relacionado com o convento do Varatojo, de grande devoção de seu pai.
As relações que os franciscanos mantiveram com a dinastia de Avis favoreceram, além de seu avanço, sua influência em processos importantes da história de Portugal. Pode-se citar como exemplo “o facto de que estes frades ligados à observância, aliaram-se à empresa marítima empreendida pela nova dinastia no século XV e início do XVI.” (5)
Nas viagens empreendedoras concretizadas pela Ordem de Cristo, faziam parte os frades franciscanos que “levaram a palavra de Cristo, pelos conselhos evangélicos, concretizando assim um dos ideais portugueses ao partir: levar a Boa Nova a todas as gentes e tornar Jesus Cristo conhecido em todos os locais!” (6)
O espírito de S. Francisco foi objecto de uma devoção amplamente difundida e enraizada na Corte de Portugal, bem patente a partir dos finais do século XIV até aos primórdios do século XVI.

(1) João Dionísio, «Literatura franciscana no Leal Conselheiro, de D. Duarte» Lusitânia Sacra, tomo 13-14, 2001-2002
(2) Manuela Mendonça, O Franciscanismo em Portugal – Séc. XIV-XVI, citando António Caetano de Sousa.
(3) Itinerários de El-Rei D. João II – Joaquim Veríssimo Serrão/Academia Portuguesa da História

(4) D. João II – Reis de Portugal – Luís Adão da Fonseca – Círculo de Leitores
(5) Os Franciscanos Observantes Portugueses e a representação social cristão como equilíbrio do conflito entre o poder
temporal e poder espiritual (1385-1450) – Marcelo Santiago Berriel
(6) O Franciscanismo em Portugal – Séc. XIII-XVI - Manuela Mendonça



2. A Influência Franciscana na formação de Cristóvão Colon
Cristóvão Colon nasce numa época impregnada pelo culto da palavra de Cristo e por um amplo movimento de evangelização. A formação do navegador, com profunda influência franciscana denota, através da análise à documentação de sua autoria, que é iniciada de muito cedo, num ambiente franciscano recôndito, que poderia não passar necessariamente por um convento ou mosteiro. O cenário pode configurar uma formação tutora muito reservada, a cargo de frades franciscanos que garantissem e salvaguardassem a verdadeira identidade de Cristóvão Colon.
Segundo Alain Milhou, o frade teólogo, considerava o franciscano secular (membro da Ordem Terceira) um “leigo não letrado”, sendo um homem que não tinha estudado teologia nem direito canónico e devia obedecer cegamente aos seus mentores eclesiásticos, que detinham a ciência, o divino e o humano. Mas existia outra corrente, que aceitava o não letrado para leccionar a cristandade, que era o caso dos franciscanos observantes, fiéis à mensagem de humildade de S. Francisco de Assis e fascinados pelo Espírito Santo. Dentro desta tipologia do secular “leigo não letrado”, pretendeu situar-se Cristóvão Colon, chegando mesmo a definir-se como “leigo não letrado”. Este seu posicionamento é ilustrado pelo saber empírico, em que insistiam especialmente, os franciscanos e os professores universitários nominalistas. (7)
Em alguns textos citados por Cristóvão Colon, o não letrado e ignorante, pode por revelação divina, graças ao espírito de inteligência conferido pelo Espírito Santo, ensinar os sábios. O Espírito Santo pode fazer de um humilde secular um eleito e porta-voz de Deus.
“É bem patente a importância do vocabulário afectivo, sensível e inclusive a experiência mística:
“Dios me abrió la voluntad, este fuego, esa lumbre”. Reconhece-se que nos planos teológico e filosófico tinha uns conhecimentos próprios da elite secular, cita com frequência, no seu Livro das Profecias, S. Agostinho, S. Tomás de Aquino e Nicolau de Lira, que muitos atribuem ao seu director espiritual, frade Gaspar Gorricio, mas que não pode constituir apenas uma compilação de versículos assinalados por Gorricio, pois Cristóvão Colon manifesta uma ampla cultura bíblica, de ambos os Testamentos, ao longo da sua vida. Cristóvão Colon tinha experiência religiosa.” (8)
Conhece-se por exemplo, a importância do Joaquimismo entre os menores nos séculos XII a XV, particularmente nos irmãos da Ordem Terceira. Joaquim da Fiori (m.1202) “exaltava os simples e idiotas, a quem Deus havia difundido seu espírito, preferindo-os aos sábios, elegendos para levar o evangelho às nações. Os menoritas também se interessavam muito mais pela ciência experimental, ou pelo menos pela observação, a qual se encontrava algo esterilizada na construção aristotélica, demasiado coerente.” (9)
A ciência medieval, a cosmografia, astrologia, geografia, medicina, alquimia, foram muito protagonizadas pelos franciscanos. Um dos maiores representantes do Ocamismo foi Pierre d’Ailly (m.1420), autor de uma das obras mais importantes da Idade Média, “Imago Mundi”, livro muito caro de Cristóvão Colon. Gerson (m. 1429), discípulo de Pierre d’Ailly, possivelmente lido por Cristóvão Colon, dado que o cita no Livro das Profecias, considerava que um iletrado podia aceder à beatitude, tanto como um perfeito conhecedor da tradição eclesiástica, e por isso se mostrou favorável a Joana D’Arc, quem como Cristóvão Colon, se enfrentou meio século mais tarde com sábios e doutores. “A consciência e cultura messiânica de Cristóvão Colon, inscrevem-se fundamentalmente na trajectória do franciscanismo joaquimita.” (10)
Em Portugal, o joaquimismo está intrínseco à “difusão do culto do Espírito Santo, aparentemente lançado com a rainha Santa Isabel, fundindo-se depois no sebastianismo e na crença no advento do Quinto Império bem patente na obra do Padre António Vieira”. (11)
Neste contexto é pertinente questionar se Cristóvão Colon pertenceu à Ordem Terceira de S. Francisco, e através dos contactos estabelecidos com o pesquisador franciscano padre Henrique Rema, da Ordem dos Frades Menores de Lisboa, foram identificadas várias fontes, que referem a ligação do navegador à dita Ordem, como por exemplo:”Dentro das suas fileiras aparecem reis, príncipes, Papas, cientistas, artistas, exploradores e apóstolos, como Dante, Giotto, Leonardo Da Vinci, Galileu, Cervantes, Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Vespúcio, Palestrina, Galvani, Volta, Perosi...”(12)
Outra fonte ainda: “Se entre os Terceiros de 400 não podemos com certeza incluir Cristóvão Colombo, porque a crítica histórica nega esta linda lenda, certo é que o grande navegador teve muitos contactos com os franciscanos” (13)
Como é referido pelo padre Henrique Rema, constata-se que o nome do navegador aparece em muita lista de Terceiros célebres.
O pintor e ensaísta Lima de Freitas, refere no seu texto, “A revolução Franciscana na Arte Ocidental”, que foram membros da Ordem Terceira de S. Francisco, “ao que se diz, Santa Isabel da Hungria, parece que também S. Luís de França, e certamente Dante, Cristóvão Colombo, Tomas Moore, todos os papas depois de Leão XIII, Santo Inácio de Loyola e muitos reis portugueses” (14)
Nesta fase torna-se pertinente questionar acerca do momento em que Cristóvão Colon tem os primeiros contactos com o franciscanismo, e surge então a questão de Pavia. Fernando Colon refere na biografia do navegador que “de tenra idade aprendeu as letras e estudou em Pavia o que lhe bastou para entender os cosmógrafos, a cuja lição foi muito aficionado. Bartolomé de Las Casas, escreve que “estudou em Pavia os primeiros rudimentos das letras, maioritariamente a gramática, e tornou-se perito na língua latina, e disto louva-o a dita História portuguesa.” Dada a deturpação histórica, todos foram induzidos para Pavia de Itália. Simon Wiesenthal, por sua vez, afirma que este facto é considerado por muitos investigadores como uma mentira ditada pelo embaraço, não existindo qualquer prova apoiando esta afirmação. Mas qual a razão que se refere Pavia como o local onde Cristóvão Cristóvão Colon inicia a sua aprendizagem? Manuel Silva Rosa evidencia este propósito para investigação, em “O Mistério Colombo Revelado”, sugerindo que existe outra Pavia, no concelho de Mora, distrito de Évora.
O mesmo autor refere ainda acerca da condição franciscana de Cristóvão Colon: “A ligar Colon às ordens religiosas estão os lugares que ele frequentou ou onde permaneceu enquanto esteve em Espanha e as pessoas com quem se relacionou, tais como o frade António de Marchena, e o seu muito amigo Gaspar Gorricio. Cristóvão Colon deixou Portugal e foi para o mosteiro franciscano de La Rábida, próximo de Huelva, que era um mosteiro irmão daquele que existe em Setúbal, chamado Arrábida…Las Casas e outros escreveram que Cristóvão Colon agia, nas suas práticas e no seu fervor religioso, como se fosse um membro de uma ordem religiosa.” (15)
Vamos seguidamente analisar o património histórico de Pavia, concelho de Mora, reforçando a emergência desta investigação.

(continua...)

(7) Fundadores do nominalismo, os franciscanos Duns Scoto (m.1308) e Guilherme Occam (m.1349); Princípio do Nominalismo: Os conceitos são realidades ou palavras?
(8) Alain Milhou, Cristóvão Colon “Modelo “idiota” que ensina os sábios”, 1992.
(9) Idem.
(10) Idem.

(11) Joaquin da Fiori: http://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_de_Fiore
(12) T. Lombardi, Storia del Francescanesimo, OFM, 1980, p. 418.
(13) Gemelli, Il Francescanesimo, 1947, p. 136.
(14) Franciscanismo em Portugal – Fundação Oriente 1996/2000.

(15) Manuel da Silva Rosa, O Mistério Colombo Revelado, 2007

2 comentários:

  1. Gostava de agradecer ao Carlos Paiva Neves por este artigo e ao Carlos Calado por o meter aqui.
    Enquanto os residentes da Torre de Marfim vão negando que a história estava errada, cá pelas ruas da realidade vão, já muitos de mente clara, rebuscando os factos, folheando as folhas antigas do tempo para ver se a verdade ainda pode ser encontrada antes que desapareça de uma vez por todas.
    É o dever de nós todos não diexar que os nossos filhos aprendam mentiras nas escolas.

    -Manuel Rosa

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  2. Agradeço também a Carlos Paiva Neves o seu esforço na pesquisa histórica, que tem de ser encetada, a fim de a verdade não ser obscurecida pela mentira enrredada na tal torre de marfim.
    Também eu estou na pesquisa da verdade histórica. Começei por Mascarenhas Barreto "Cristóvão Colombo agente secreto de D. Jão II", que li em 1989 e continuei por Cristóvão Colon era Português". do Dr. Manuel Luciano da Silva que li há dois anos, ainda peguei no Codex 632 de José Rodrigues dos Santos e apreciei bastante ainda o filme de Manuel de Oliveira. Actualmente estou em grupo de pesquisa sobre os franciscanos. Não tenho dúvidas que o mistério tem inimigos, mas como bom português não os temo. Sou pela verdade, ainda que esta não se tenha de comprometer com milhões. O objectivo dos descobrimentos portugueses foi muito além de míseras moedas de prata, digo de ouro, ou melhor dizem de ouro do Brasil, os tais cuja vista ou visão lhes é turvada, com a cegueira que a tal torre de marfim lhes confere.

    Professor Renato P. C. Freire da Paz professor e investigador

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