quarta-feira, novembro 07, 2007

ARMAS COLOMBINAS

HERÁLDICA COLOMBINA:
Um brasão poderá solucionar a identidade de Cristóvão Colombo?


Pressupostos:
1-Na época dos Descobrimentos, nos Reinos Peninsulares, incluindo Portugal, pelo facto de existir política de sigilo, era possível a um homem entrar num outro país com um nome falso ou adoptado. Porém o uso de armas era averiguado pelos oficiais de armas (mesmo, nos casos de Portugal e territórios da actual Itália, em que se conhece a existência de armas plebeias), para evitar a usurpação de armas, a fraude e a univocidade das mesmas (a cada possuidor suas armas).


2-Cristóvão Colombo usava armas antes de 1493, tendo-lhe sido concedido um acrescentamento honroso pelos Reis Católicos aquando da descoberta do Novo Mundo.
3-As armas anteriores a 1493 não seriam plebeias, uma vez que Colombo utilizava antes dessa data (a designação aparece logo no texto das Capitulações de Santa Fé), o tratamento de Don, o que significa que, antes de ter tido o reconhecimento pela descoberta do Novo Mundo, sem que lhe fossem conhecidos quaisquer outros méritos que justificassem a atribuição de tal deferência, é designado por esse tratamento que, ao contrário de hoje, implicava em Espanha não um mero tratamento formal, mas um reconhecimento de fidalguia.


1-Armas usadas por Colombo depois de 1493
Partindo dos pressupostos e percebendo que não há um documento coevo que nos indique a origem e a composição heráldica das armas colombinas primitivas, cabe-nos olhar para a chamada Provisão Real de 20 de Maio de 1493 e para a Carta d’Armas, com data de 1 de Junho do mesmo ano, para percebermos que os Reis Católicos fazem um acrescentamento honroso.
As armas descritas ficariam do seguinte modo: Esquartelado, I de verde, um castelo de ouro, II de prata, um leão de púrpura, armado de verde, III ondado de azul e prata, umas ilhas de ouro, IV armas não descritas.

Para sermos mais rigorosos, eis a tradução do texto da Carta d’Armas: “…além das vossas armas, em cima delas, um castelo e um leão, convém saber: o castelo de cor dourada, em campo verde, em cima do lado direito; no outro quartel em cima, do lado esquerdo, um leão de púrpura, em campo branco, armado de verde; e no outro quartel, em baixo do lado direito, umas ilhas douradas em ondas de mar; e no outro quartel em baixo do lado esquerdo, as vossas armas que soíades trazer”
Nesse acrescentamento, os Reis Católicos ordenam a colocação das armas primitivas no último quartel do esquartelado, descrevendo no primeiro e segundo quartéis as próprias armas reais diferenciadas (como aliás era próprio nas concessões régias, um pouco por toda a Europa) e no terceiro quartel, as armas alusivas à descoberta.
No quarto quartel, surgem - como se disse - as armas de Colombo, que não vêm descritas e indicadas sobre a expressão lacónica “armas vuestras que solíades tener”.
Escuso-me de escrever sobre as circunstâncias do acrescentamento honroso, visto que Martínez Llorente o fez com todo o rigor científico e profundo conhecimento de Armaria no seu estudo sobre o acrescentamento heráldico de Colombo.


2-Armas usadas por Colombo antes de 1493
A análise da Carta d’Armas, único e verdadeiro documento imageticamente fidedigno das armas originais, traz consigo alguns pormenores interessantes.
Por uma questão de rigor, diga-se em abono da verdade que, a menos que haja um documento anterior ou contemporâneo, as únicas armas rigorosas são efectivamente as armas descritas na Provisão Real e no registo da chancelaria dos Reis Católicos e iluminadas na Carta d’Armas (cuja foto foi publicada por Martínez Llorente) (imagem 1), ou até porque as outras representações das armas, mesmo a que está apensa aos documentos do Livro dos Privilégios (1502), são posteriores e poderiam ter sofrido alterações ou ter má qualidade por culpa ou desconhecimento do iluminador.

O oficial de armas que redige a Carta d’Armas, depois de descrever o acrescentamento heráldico concedido pelos Reis Católicos, tem a prudência de não descrever o último quartel das armas primitivas de Colombo, remetendo para a expressão: “as vossas armas que soíades trazer”, indicativa de três possibilidades: armas desconhecidas, armas assumidas ou armas reconhecidas.
A serem armas desconhecidas significa que o oficial de armas averiguando as armas do reino não encontrava outras iguais e que não estava comprometido o princípio da univocidade, mas escusava-se de as descrever porque eram armas estrangeiras.
A expressão pode também ser indicadora de que se tratavam de armas assumidas e nesse caso poder-se-ia falar tanto de armas plebeias como não-plebeias, assumidas em determinado momento pelo seu possuidor.
Quanto a armas reconhecidas, o oficial de armas poderia indicar que não sendo armas de linhagem, nem sendo armas assumidas, podiam ter sido armas novas, diferenciadas ou acrescentadas, mas cuja origem tinha sido verificada e o uso autorizado.
Curiosamente no acrescentamento heráldico a Hernan Cortes, Carlos V e Joana I outorgam acrescentamento honroso das armas “demas de las armas que assi tenéis de vuestro liñage”, não descrevendo as armas, mas explicitando que se tratavam de armas de família pré-existentes. Apesar de o cronista não se referir às armas como sendo de família, Las Casas indica que as armas do último quartel do brasão colombino são as de “su liñage antiguo”.
Apesar de Martínez Llorente ter publicado a fotografia da iluminura da Carta de Armas, o último quartel oferece-nos algumas dificuldades na própria análise e correcta descrição do que seriam as armas que Colombo utilizou (imagem 2).


2.1. Desmontagem e hipóteses de leituras das armas
O brasão debuxado no último quartel pode ser descrito/interpretado dos seguintes modos:

1ª Hipótese (armas completas)
De ouro, banda de azul e chefe de vermelho, mantelado de azul carregado de cinco âncoras de ouro postas em aspa e volvidas à dextra. (imagem 3)

2ª Hipótese (dois escudos)
1º escudo: de vermelho, mantelado de azul, com cinco âncoras de ouro postas em aspa e volvidas à dextra. (imagem 4)
2º escudo: de ouro, banda de azul. (imagem 5)

3ª Hipótese (dois escudos)
1º escudo: de azul, carregado de cinco âncoras de ouro postas em aspa e volvidas à dextra. (imagem 6)
2º escudo: de ouro, banda de azul e chefe de vermelho. (imagem 7)

4ª Hipótese (dois escudos)
1º escudo: de azul, carregado de cinco âncoras de ouro postas em aspa e volvidas à dextra. (imagem 6)
2º escudo: cortado, I pleno de vermelho, II de ouro, banda de azul. (imagem 8)


Fazendo apenas breves alusões às armas, deve-se dizer que o mantel é relativamente raro na heráldica portuguesa, mas relativamente comum na espanhola, o que pode gerar alguma confusão: o mantel ajuda à tese espanhola, catalã e maiorquina, os elementos em aspa à tese portuguesa, a banda à tese galega, e a banda em conjunto com o chefe à tese genovesa e italiana, em geral.
A propósito da já quase abandonada tese genovesa, está comprovado que no caso do brasão das âncoras (imagem 6) não estamos perante o brasão dos tecelões de Génova.

Ao contrário de Florença, nem todas as corporações de mesteres genovesas tinham armas, sabendo-se que os “cardatori” e “lanaioli” genoveses estavam organizados em pequenos grupos (uma espécie de “albergues de ofícios”) e não numa grande corporação.
Cada um desses pequenos grupos utilizava signas e só raramente armas, pelo que não faz sentido considerar as âncoras como armas dessa corporação. Através da análise das suas armas, seria mais provável Colombo pertencer à famosa Irmandade de S. Cristovão de Alberg - veja-se um exemplo sugestivo retirado do seu armorial, Sancti Christophori am Arlberg Bruderschafts Buch, realizado entre os anos de 1350 e 1647 (imagem 9) - do que aos “lanaioli” genoveses”.
Perante a questão das âncoras, podemos também estar perante uma errada leitura, dado que o mau estado em que está a Carta d’Armas não nos permite perceber se estamos perante âncoras ou outra peça semelhante, por exemplo um gume de curtidor.
Analisando, a peça, a ser uma âncora, não tem cepo, mas somente ferro (partindo do princípio que a amarra pode não aparecer). O gume de curtidor aparece, por exemplo nas armas dos Franckestein, no quatrocentista Armorial de Gelre (imagem 10), (de ouro, um gume de curtidor de vermelho, volvido ao chefe) ou na Agremiação dos Sapateiros de Caudebec - Normandia (de vermelho, um gume de curtidor de prata, encabado de ouro volvido ao chefe) (imagem 11),
Mesmo partindo do princípio que são âncoras, por comparação com representações posteriores, relativamente contemporâneas, porque estão volvidas à dextra, ou seja ”deitadas”?
Serão uma alusão à possível bastardia do possuidor? Deveríamos procurar armas direitas: de azul, cindo âncoras postas em aspa (imagem 12).
À guisa de exemplo, D. João II ordena, no contexto da reforma heráldica das armas régias de Portugal, além da retirada da cruz de Avis, que os escudetes apontados ao coração do escudo fossem “endireitados”, porque tal poderia ser interpretado como “quebra”, id est, como indicativo de bastardia.
A serem armas familiares, as âncoras podem, por exemplo, significar também diferença das armas do chefe da linhagem. Deveríamos procurar as seguintes armas: de azul, cinco cruzetas de ouro postas em aspa (imagem 13), uma vez que, em heráldica as âncoras são substitutos das cruzes e uma vez que simbolicamente, como veremos, uma âncora foi usado como sinal da cruz cristã?
Armas muito semelhantes a estas (e presentes em algumas armas usadas em Portugal - imagem 14) é uma das variantes das armas dos Palaelogi (imagens 15 e 16), imperadores de Constantinopla (imagem 17), aparentados com os do Reino de Jerusalém (imagem 18), cuja família entronca muitas famílias europeias (os Reis de Chipre, aparentados com os Moniz da família da esposa de Colombo), o que não deixa de ser interessante visto que o seu filho Hernando afirma acerca de Colombo "que sendo seus antepassados de sangue real de Jerusalém, achou por bem que a sua linhagem não fosse conhecida".
A título de curiosidade e a propósito de símbolos radicados no Cristianismo, no brasão do Ordem do Carmo (imagem 19), o campo do escudo a castanho (não sendo uma cor tipicamente heráldica) significa o Monte Carmelo. No 1º escudo da 2ª hipótese (imagem 4), o campo de vermelho poderia ser interpretado como referência à “Tierra Rubia”, terra ou monte vermelho, que Las Casas dá como origem colombina (para as teses portuguesas poderiam funcionar como referências hipotéticas de armaria o “Pico Vermelho”, na Ribeira Grande - S. Miguel, Açores ou “Vila Ruiva”, próxima de Cuba, Alentejo).


2.2. Explorando a hipótese de serem armas portuguesas
Face às hipóteses supra-indicadas, poderão os Heraldistas de outros países, procurar armas semelhantes. Não duvido que os adeptos da tese catalã, as comparem com as dos Colom de Tarroja de Segarra (Catalunha - imagem 7) e que sendo efectivamente semelhantes, parecem ser posteriores.
É de crer que, na óptica de Heráldica comparada, se encontrem armas semelhantes por toda a Europa e até em armas indigenizadas (dos que passaram a Portugal em época posterior, temos, por exemplo, semelhança nas armas usadas pelos Lemercier, da Flandres – “de prata, uma banda de azul, carregada de três vieiras de prata”).
Contudo, como Colombo viveu em Portugal antes de 1493 e tinha armas, poderia ou poderá existir memória dessas armas, até porque poderá tê-las usado, assumido ou ganho em contexto português, além de que é muito natural que as armas tenham sido, como em Espanha, sujeitas ao exame dos oficiais de armas. Pode ainda dar-se o caso de Colombo ser efectivamente português, independentemente da sua origem (régia, fidalga ou plebeia).
Não obstante, como nos diz Silva Lopes, há que ter em conta o facto de “nem todas as mercês heráldicas haverem sido registadas nos livros existentes”. Também devemos ter em conta que a assunção de armas só terminou definitivamente, no reinado de D. Manuel, em 1512, apesar de controlos anteriores, nomeadamente o do controlo no uso de armas burguesas com D. Afonso V.
Face aos registos heráldicos, temos como problema inicial a questão de os registos de armaria mais antigos terem desaparecido (com excepção dos esculpidos na tumulária medieval – cuja recompilação tenho vindo a realizar) e de ter desaparecido no terramoto de 1755 o Livro dos Reis d’Armas, de João Rodrigues, registo de armaria contemporâneo de Colombo, de quem nos diz Manuel Artur Norton: “o citado Códice que João Rodrigues debuxou e escreveu por ordem do rei D. João II, era para registar a aristocracia que poderia ser chamada para o serviço régio”. Tal referência não deixa de ser assaz interessante, se nos lembrarmos que, na versão oficial, Colombo ofereceu os seus préstimos à Coroa Portuguesa e que, de algum modo, poderia as suas armas ou as de sua família estarem aí debuxadas.
Silva Lopes, no seu estudo sobre as armas da época, relacionadas com os Descobrimentos, distingue vários tipos: armas novas, acrescentamento, substituição e alteração. Poderíamos analisar aqui vários casos, de armas concedidas na época, por questões de serviço, mas para isso, remetemo-nos para aquele estudo.
Há casos, como o de João Gonçalves Zarco, de quem é conhecida a concessão de armas (“de negro, torre de prata, assente em monte de verde, sustida por dois lobos rampantes de ouro) e novo apelido, Câmara de Lobos, passada a 4 de Julho de 1460. Para aqueles que radicam nesta família uma hipótese de ascendência colombina, não deixa de ser interessante o Brasão d’Armas com que alguns Câmara passaram à Galiza, aí usando: “partido, I de azul, três faixas de ouro, II prata, leão de vermelho” (imagem 20 - compare-se com a imagem 2). Já de Tristão Vaz conhecem-se armas, através do uso dos seus descendentes mas não se conhece registo.
Sem excluir os que tradicionalmente, em Portugal e estrangeiro, tinham armas bem antigas com elementos colocados em aspa, os heraldistas foram percebendo que o uso e atribuição de quinas ou elementos colocados em sautor são típicos do Reinado de D, João II (Nicolau Coelho, por exemplo - imagem 21) com continuidade no de D. Manuel (por exemplo, a doação do rei D. Manuel ao Rei do Manicongo, ou a Vasco da Gama - imagem 22).

Não quer isto dizer que as âncoras de Colombo tenham que ser “aparentadas” com os cinco novelos posto em aspa do brasão de Bartolomeu Dias (imagem 23), que se conhecem sobretudo pelo uso dos descendentes, de apelido Novais ou Nabais (“de azul, cinco novelos de prata” - imagem 24), mas não deixam de ser aproximadas em termos heráldicos.
Por isso, não deixa de ser uma hipótese a considerar que, nas armas de Colombo, a partição das âncoras poderia ser um acrescentamento honroso às armas de linhagem, feito por D. João II, mesmo sem registo, in pectore, ou até de registo perdido.
A associação a Portugal pelas quinas e elementos postos em aspa era de tal maneira que o brasão que Duarte Pacheco Pereira recebe do Rei de Cochim, em 1504, contempla elementos postos em aspa (“de vermelho, cinco coroas de ouro, de oito florões, postas em sautor, bordadura de prata, aguada de azul, carregada de oito castelos de madeira, de verde…).
Nada impedia, pois, que Colombo recebesse um acrescentamento honroso dos Reis Católicos depois de poder ter recebido um de D. João II, mesmo que fosse in pectore, constituído por cinco âncoras em aspa, um entre os acrescentamentos honrosos e armas atribuídos por esse rei do qual se perderam muitos dados, nos terramotos de 1531 e 1755.
Quanto ao uso da banda, partindo da possibilidade de Colombo ser português ou descendente de portugueses poderia ser um Ataíde (imagem 25), um Viegas, um Azambuja (imagem 26), um Albornoz um Lisboa (uma família medieval da qual se conhece pouco, mas que teve bastante importância até ao século XV – imagem 27) ou um Anhaia, isto para citar algumas família portuguesas que poderiam ser aparentadas na sua heráldica, pelo uso de bandados. A propósito da banda, houve quem sugerisse que Colombo poderia ser membro da ordem da Banda, facto de não consegui encontrar referência fidedigna.
Uma outra hipótese, correspondente com alguma tese galega, seria pertencer à família portuguesa (dec raiz galega) Gundar (imagem 28): partido de vermelho, o 2º de ouro de ouro, 4 bandas de azul. Se pensarmos que os cortados e os partidos são muitas vezes partições substitutas em heráldica, o brasão é muito semelhante ao de uma das hipóteses do brasão colombino (imagem 8).
Também não está posto de lado o facto das armas colombinas referirem-se ao Borgonha antigo (“bandado de 6 peças de ouro e azul”, com ou sem bordadura de vermelho - imagem 29), ao brasão de Salvago (que ajudaria, em parte, à tese genovesa, mas que passaram mais tarde a Portugal) ou ao brasão de Pessanha (“de prata, com uma banda dentelada de vermelho, carregada com três flores de liz de prata” - imagem 30), que, sendo de origem genovesa, passaram a Portugal no tempo de D. Dinis e em cuja casa, andava o Almirantado nacional, ajudando este elemento aqueles que se recordam da sentença colombina: “não sou o primeiro almirante na minha família”

A melhor probabilidade portuguesa, derivada da análise da armaria é a de pertencer à família dos Almada. Os Almada, descendem de Joanes Anes de Almada e deste de um cavaleiro inglês que tomou parte na conquista de Lisboa, têm por armas” de ouro, com uma banda de azul carregada de duas cruzes florenciadas e vazias de ouro, acompanhadas de duas aguietas de vermelho, armadas e sancadas de negro” (imagem 31). As cruzes florenciadas não constavam anteriormente das armas (imagem 32) tendo sido acrescentadas no século XIV-XV, quando João Vaz Almada, cavaleiro da Ordem da Jarreteira serviu D. João I, numa alusão evidente à crise de 1383-85.
Quanto aos primitivos Almada usaram como armas, as armas exactamente iguais às de Colombo: “de ouro, uma banda de azul” (imagem 5), que são as da família Trye, família do tal cavaleiro inglês que tomou lugar ao lado de D. Afonso Henriques na Conquista de Lisboa de que se conhece registo heráldico (III Roll Dering Roll, registo de Mathew de Trye, datado de cerca de 1275) e que deu origem aos Almada.


2.3.Simbologia das âncoras e outras questões à margem
Poderíamos analisar profundamente aqui a simbologia colombina, do ponto de vista do esoterismo ou da simbologia “maçónica” presente nos vários elementos heráldicos ou de “empresa” (a simbologia maçónica embora radicada numa tradição anterior, é obviamente posterior à época colombina), mas não me parece ser aqui o espaço para estudo dessa índole.
Um desses exemplos é a simbologia das romãs, inclusivamente presentes no túmulo colombino oitocentista. As romãs são sobretudo um símbolo feminino (por serem policarpos e gerarem muitos frutos), de tal ordem que na Idade Média, as árvores genealógicas ostentavam os ramos masculinos com ramos de carvalho e os femininos com ramos de romãzeira, que, na minha opinião, por si só, dificilmente podem ser associadas a um dos supostos candidatos a pai de Colombo: o infante D. Fernando, pai do rei D. Manuel.
A título de curiosidade, face à questão das romãs (interessantemente abordada por Manuel da Silva Rosa), relativamente aos quadros representando o infante D. Fernando, deve dizer-se que as pinturas são cerca de um século posteriores e as romãs, se o forem, são decorativas.[
Alerta: O artigo sobre o retrato de D. Fernando é mais um do Dr. Manuel Luciano da Silva e não abordado por de Manuel Rosa - Manuel Rosa]. Por exemplo, na Genealogia do Infante D. Fernando (manuscrito do início do século XVI - imagem 33), filho de D. Manuel e neto do Infante D. Fernando em causa, não aparecem romãs, nem nos frondosos rebentos na árvore de gerações e é talvez o “retrato” existente mais antigo do Infante. Em relação à análise da “empresa”, de que consta uma bóia daria trabalho para outro estudo.
Se ajudar aos estudos colombinos, a romãzeira é também símbolo de S. Cristóvão, símbolo da conversão que dá frutos (na lenda medieval de S. Cristóvão, consta que S. Cristóvão estando em Samos, na Lícia, onde havia de ser martirizado, levou consigo o bordão, antes palmeira ou tamareira, com o qual bateu no chão da praça pública; o bordão transformou-se numa romãzeira e encheu de frutos os estéreis jardins da Cidade, levando à conversão de 8000 pessoas e à perseguição por parte do rei).
Fiquemos por agora pelas âncoras, que são um símbolo facilmente (e)legível na época colombina. A âncora, não é apenas um símbolo naútico, mas é, por exemplo, um atributo hagiográfico de S. Nicolau, padroeiro dos navegadores. A âncora associada à cruz simboliza a esperança dos cristãos em Cristo.
A cruz-âncora também foi emblema de São Clemente, Bispo de Roma, que de acordo com a tradição foi amarrado a uma âncora e lançado ao mar pelo imperador Trajano.
A cruz-âncora foi utilizada em imagens tumulares pré-cristãs, inicialmente como indicação da profissão, tendo-se tornado, nos primórdios do Cristianismo, devido à sua forma, um símbolo camuflado da Cruz, sinal de Redenção. Na escultura tumular cristã, a âncora acha-se frequentemente flanqueada por peixes ou golfinhos, igualmente figuras simbolicamente associadas a Cristo.
Parece-me sobretudo importante este facto de a âncora ter sido utilizada desde o século I pelos cristãos como sinal de cruz e símbolo da esperança, radicada na tradição Paulina: “Tenhamos poderosa consolação, nós, os que nos refugiamos em lançar mão da prometida esperança, a qual temos como âncora da alma, segura e firme” (cfr. Epístola aos Hebreus 6, 18-19).
Por isso, a alusão de que as âncoras poderiam ser, segundo alguns autores besantes ”disfarçados” não me parece lógica, mas que são elementos náuticos com uma claríssima e (à época) conhecida simbologia (vejam-se as páginas:
www.pime.org.br/noticias.inc.php?&id_noticia=4281&id_sessao=2; http://www.jesuswalk.com/christian-symbols/anchor.htm).
Diga-se em abono da verdade que a âncora como elemento heráldico é raro na armaria portuguesa. Está presente nas armas dos Henriques (da Dinamarca): “de azul, com uma âncora de ouro”. Certos autores chegaram a associar estas armas às de Colombo, só que estas são as armas portuguesas dos Eriksen dinamarqueses, que passaram a Portugal em época mais tardia, onde indigenizaram o nome e que, em princípio, não devem ser tomadas em conta (apesar disso, observe-se a beleza dessas armas e das cenas marítimas envolventes, no enquadramento de uma tapeçaria do século XIV, que existe no convento de Wienhausen, na Baixa Saxónia – imagem 34) Outros Henriques utilizam um dos poucos mantéis conhecidos na heráldica portuguesa (imagem 35).

Uma de várias maneiras de solucionar o problema da heráldica e identidade colombina, passava por encontrar nos depósitos do Museu do Carmo (sobram algum fragmentos pétreos dos séc. XV-XVI da capela dos Monizes) os restos da sepultura de Filipa Perestrelo Moniz, mulher de Colombo. Não se conhece o local exacto e pode ter sido destruída em 1755 ou na reconstrução da Capela da Piedade.
A pedra tumular da mulher de Colombo, a julgar pelos modelos da época, se tivesse brasão, deveria ter usado à dextra o do marido antes de lhe ter sido concedido os acrescentos heráldicos - o que seria uma ajuda preciosa (veja-se uma reconstituição hipotética - imagem 36, conjugando as armas dos Perestrelo: “escudo partido; na primeira, em campo de oiro, um leão de púrpura armado de vermelho; na segunda, em campo de prata, uma banda azul, carregada de três estrelas de oito pontas entre seis rosas de vermelho de três em três em pala” e as de Moniz - imagens 37 e 38)
O mesmo poderia suceder na análise dos túmulos dos Zarco, na Madeira, (de quem Colombo poderia eventualmente descender), visto que não se conhecem se existiam ou como seriam as armas antes da concessão de 1460 a João Gonçalves Zarco, pelo que os túmulos poderão ter armas anteriores ou memórias heráldicas, importantes para esta investigação.


3-Podem os nomes colombinos ajudar na interpretação das armas?
A escolha de um nome pode ajudar ou complicar na interpretação das armas, mas não devemos excluir a possibilidade de investigarmos. A escolha do nome Cólon ou Colombo, por exemplo, é muito complexa, mas podemos levantar algumas hipóteses face a outras questões.
A escolha do nome Cristóvão não poderá estar ligado ao facto de ter nascido em dia de S. Cristóvão, 25 de Julho? Ou de ter estado em perigo de vida, de que S. Cristóvão era o padroeiro? São Cristóvão é um dos 14 santos padroeiros principais, sendo prática comum colocar as suas imagens, de grande tamanho, normalmente na parede norte das Igrejas, para que quem as visse não morresse nesse dia.
Sabemos, contudo, que é muito provável que Cristóvão Colombo se chamasse Pedro (probabilidade que os partidários da tese galega aproveitam muito bem). Isto baseia-se no facto de o genealogista Gaspar Frutuoso (1522-1591), que pesquisou os arquivos da Graciosa em 1580, indicar em determinado passo da sua obra Saudades da Terra (que ficou manuscrita), referindo-se aos “Furtados e Correias, nobres Fidalgos, também povoadores antigos desta Ilha de S. Miguel” que " estes são parentes dos Correias e Melos, pela parte dos Mendonças, e Dona Catarina de Mendonça, sua tia, era neta de uma irmã da mãe do Mestre de Santiago, Dona Ana de Mendonça, e da primeira baronesa de Alvito, e da mulher de Dom Pedro Colon, que descobriu as Índias de Castela."
Considerado muito rigoroso em genealogia, era praticamente contemporâneo de Colombo e conhecia bem as ligações familiares dos primeiros povoadores das Ilhas, pelo que não é provável que seja erro (é também curioso o facto de tratar Colombo por “Dom” e inclusivamente utilizar Colon em vez de Colombo).
O nome de Pedro está confirmado pelo Lucio Marineo Sículo (1460 – 1533) historiador siciliano, notável latinista, humanista, capelão dos Reis Católicos e seu cronista, que apelidou Colombo de Pedro, mencionando, em De rebus Hispaniae memorabilibus Libri XXV (Alcalá, 1530), “Petrum Colonum cum triginta navibus”. Tendo em conta que o conheceu, é ainda mais improvável o engano.
Na base da pura conjectura – uma entre tantas – interessaria aos historiadores colombinos verificar se Colombo (além das teses que o dão como filho de D. Fernando ou de qualquer outro membro da família real portuguesa) não poderia ser, por exemplo D. Pedro de Almada, filho de D. Fernando de Almada, 2º conde de Abranches e de D. Constança de Noronha, ou até Pedro Dias, irmão mais novo de Bartolomeu Dias.
Vejamos, na base - repito! - da pura conjectura: Bartolomeu Dias e Diogo Dias eram irmãos navegadores que aparecem e desaparecem em Espanha e Portugal quase como Bartolomeo Colon e Diego Colon aparecem e desaparecem lá. Sabe-se pouco do terceiro irmão Pedro Dias. Las Casas, por exemplo, refere que Bartolomeo Colon participou na dobragem do cabo da Boa Esperança e Colombo refere a dado passo que assistiu à partida de Bartolomeu Dias.
Do pouco que se conhece sobre Bartolomeu Dias (dos irmãos sabe-se ainda menos), sabe-se que foi um navegador português, descendente de Dinis Dias, outro descobridor. Ignora-se onde e quando nasceu, mas calcula-se que terá nascido cerca de 1450. Presume-se que Bartolomeu Dias foi escudeiro da Casa Real e recebedor do Armazém da Guiné, durante o período entre 1494 e 1497.
Um dos acontecimentos mais marcantes na vida deste navegador é, com certeza, a passagem do Cabo das Tormentas (acompanhou também a armada de Cabral, tendo a sua caravela perecido na tormenta). Rui de Pina, cronista de D. João II, vivendo de perto os acontecimentos, deu aparentemente mais importância a chegada de Colombo a Lisboa no regresso da viagem às Antilhas, do que à dobragem do Cabo. A importância da viagem de Bartolomeu Dias reduzida ao silêncio deve-se à política de sigilo, apesar do papel crucial na expansão marítima para a descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Em fins de Agosto de 1487, Bartolomeu Dias partiu de Lisboa ou Vila Franca de Xira, comandando duas caravelas e uma naveta com mantimentos. Pêro de Alenquer é o piloto da caravela capitânia, S. Cristóvão (referência interessante). A outra, São Pantaleão é comandada por João Infante e Diogo Dias e a naveta por Pedro Dias, o supra-citado irmão de Bartolomeu e de Diogo. A missão regressa a Portugal em Dezembro de 1488, apelidando o dito cabo de Tormentoso, que D. João II renomeou em Cabo da Boa Esperança, “por aquilo que prometia para o descobrimento da Índia tão desejada”.
Se pensarmos no brasão de Bartolomeu Dias e das âncoras, símbolos da “Boa Esperança”, é uma hipótese a ter em conta, apesar de conjectural, mas não deixaria de ser facilitadora nas buscas documentais nos arquivos da Madeira, de Beja ou na própria Torre do Tombo.
Não escondo que gostaria muito de ver comprovada a tese do Colombo português, embora reconheça méritos – mesmo do ponto de vista da análise heráldica – à galega ou maiorquina, pelo que, neste jogo de análises, em grande medida conjecturais, sem ser acólito fanático da tese portuguesa, continuo a crer que a heráldica (portuguesa ou não), sendo uma ciência e uma arte, com rigor e regras muitos estritas pode dar, a par com a investigação documental um valioso contributo, pelo que não me admiraria que Colombo fosse efectivamente um membro da família dos Almada ou até Pedro Dias, irmão de Bartolomeu Dias.
Estou certo que, se os heraldistas – e em Portugal temo-los com grande qualidade – forem chamados a uma investigação séria, poderemos avançar muito e não duvido que o Instituto Português de Heráldica e a Associação dos Arqueólogois portgueses possa em colaboração com os estudioso colombinos ter contributos a dar.
Sei como uma imagem vale mais que mil palavras, mas um brasão sendo uma imagem com regras, é uma imagem, que pode conter em si própria a solução da sua própria interpretação…

BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, Luís de. Os descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Alfa, 1985
ALBUQUERQUE, Luís de. Navegadores, viajantes e aventureiros portugueses, sécs. XV e XVI, s. L., 1987
CAMPOS, Viriato, Viagens de Diogo Cão e de Bartolomeu Dias: contribuições para o seu estudo, Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1966
CEBALLOS-ESCALERA Y GILA. “Novedades y cambios en la heraldica castellana”, Comunicação ao VII Coloquio Internacional de Heraldica, Cáceres, 1991
COUTINHO, António Xavier da Gama Pereira. Os Representantes de Bartolomeu Dias e Paulo Dias de Novais, Edição do Autor, 1ª Edição, Matosinhos, 1938
FONSECA, Luís Adão da, O essencial sobre Bartolomeu Dias, [S.l.]: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987
FRUTUOSO, Gaspar. Saudades da Terra (op.man)
MARTINEZ LLORENTE "El escudo de armas de Cristóbal Colón. Estudio de un acrecentamiento heráldico", Cuadernos Ayala, Madrid, Junho-Julho 2006
NÓBREGA, Artur Vaz-Osório. Compêndio Português de Heráldica de Família, Mediatexto, Lisboa, 2003
NORTON, Manuel Artur. A Heráldica em Portugal, Dislivro Lisboa, 2004,vol, I e II
LAS CASAS, Frei Bartolomé de. Historia de las Indias, Madrid, Imprenta de Miguel Ginesta, 1875
LOPES, Carlos "As conquistas e os descobrimentos na heráldica portuguesa do século XVI", Armas e Troféus, 1960
ROSA, Manuel da Silva. O Mistério Colombo Revelado, Ésquilo, 2006
www.instituto-camoes.pt/revista/bravhomens.htm
www.pime.org.br/noticias.inc.php?&id_noticia=4281&id_sessao=2
www.jesuswalk.com/christian-symbols/anchor.htm

Nota: a imagem 1 é de Martinez Llorente, as imagens 9, 10 e 34 são de Heraldry: A Pictorial Archive for Artists and Designers, de Fox-Davies, a imagem 33 é da Genealogia do Infante D. Fernando, as imagens 14,17,18, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 31, 35, 37, 38 são do Livro do Armeiro Mor e as restantes desenhos da minha pena

6 comentários:

  1. Caro David de Xira, esta é a primeira vez que escrevo um comentário neste blogue mas não podia deixar de lhe dar os parabéns pelo seu artigo.

    ResponderEliminar
  2. Os meus parabéns por este artigo que é muito bem vindo e que pelo conhecimento do autor leva mais longe algumas ideias rudimentares que lancei à tempos no forum do genea. (O meu "user" é fxcct).

    "Perante a questão das âncoras, podemos também estar perante uma errada leitura, dado que o mau estado em que está a Carta d’Armas não nos permite perceber se estamos perante âncoras ou outra peça semelhante, por exemplo um gume de curtidor."

    Sobre esta frase, quero lançar uma ideia. Queira o autor consultar as armas atribuidas a João Fernandes do Arco que constam quer no Armeiro-Mor quer no Livro de Nobreza e Perfeição. Verá representado um sagitário segurando um arco e flecha.

    Imagine agora o arco e flecha de forma isolada. Imagine ainda que, com uma borracha, apaga a corda do arco. Não lhe parece agora uma âncora? E não lhe parece que isto explica as âncoras deitadas?

    Enfim, apenas uma especulação da minha parte.

    ResponderEliminar
  3. Caro David de Xira,

    Excelente trabalho. Pelo que eu sei as Ãncoras sempre foram referidas como âncoras em todos os documentos.

    Existe a possibilidade que sendo um "gume de curtidor" C. Colon viu nele uma oportunidade de transformar-lo em âncora por ser a ãncora um simbolo de navegador?

    Espero que um dia possas escrever aqui mais sobre o Conde de Penamacor sepultado no Convento de Santo António em Vila Franca de Xira local onde C. Colon foi visitar a Rainha D. Leonor.

    Pode ser que alguma informação relativa a este sobrinho de C. Colon- Lopo de Albuquerque, Conde de Penamacor (o Pedro Nunes exilado e preso na Inglaterra)- possa vir trazer mais luz sobre o 1º Almirante das Indias.

    -Manuel Rosa

    ResponderEliminar
  4. Baseado neste artigo parece que afinal Manuel Rosa não estava muito longe da verdade - às armas portugueses lutar pelo Colombo português

    ResponderEliminar
  5. Senhor David de Xira,
    Você escreve «...Mesmo partindo do princípio que são âncoras, por comparação com representações posteriores, relativamente contemporâneas, porque estão volvidas à dextra, ou seja ”deitadas”?
    Serão uma alusão à possível bastardia do possuidor?»

    Eu diria que não era alusão à bastardia mas alusão à quebra da dinastía. O Rei Ladislau III tornou-se no Henrique Alemão e seu filho não poderia usar as armas pessoais da Dinastia Jaguelônica que eram uma cruz de ouro em campo azul, como apontou Manuel Rosa no seu novo livro. As âncoras deitadas referenciavam a quebra da dinastia. O que acha?
    Dionísio

    ResponderEliminar
  6. Caro David de Xira,

    Relativamente às armas originais do Colombo, já reparou no Livro do Armeiro-Mor (http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4162406)na imagem n.º 208, armas da família Godinho. Parecem-me muito semelhantes àquelas do Colombo, só que "re-arrumadas" no espaço do escudo.Não creio que no armorial português hajam outras que mais se lhe assemelhem.
    Cumprimentos,
    RC

    ResponderEliminar