domingo, fevereiro 28, 2010

Conferência na Academia de Marinha (parte III)

Parte III

COLON: SEUS CÍRCULOS PESSOAIS E CIÊNCIA NÁUTICA

(Engº Carlos Calado)

Um dos aspectos que tem sido pouco explorado pelos historiadores para determinar quem era, efectivamente, o Almirante é a pesquisa e estudo das suas ligações pessoais próximas. As suas relações a nível familiar, social e profissional.Na época os casamentos assumiam uma importância determinante na sociedade. As famílias de determinados extractos sociais casavam os seus membros entre si, em redes muito fechadas e restritas. Os casamentos exprimiam perfeitamente quais as relações existentes entre as famílias.

Desde sempre que aconteceram vários casamentos entre descendentes do Almirante e membros de importantes famílias portuguesas. Não houve um único casamento entre descendentes do Almirante e membros de famílias de Génova. Houve apenas um casamento entre um descendente do Almirante e um membro de uma família “italiana”. E, curiosamente, este tinha ascendência familiar “Colonna”.

No seu litígio com os Reis Católicos Fernando e Isabel pela defesa dos seus direitos contratualmente estabelecidos, mas que lhe foram sendo retirados, o Almirante Don Cristóbal Colón foi auxiliado por D. Álvaro de Portugal (Bragança), também ele um nobre fidalgo que se mudou para Castela por ocasião da propalada segunda conspiração contra D. João II.

D. Álvaro de Portugal era casado com Dª Filipa de Melo, descendente de Vasco Martins de Melo, senhor dos direitos da Cuba, que lhe foram atribuídos pelo Rei D. Fernando em 1377.

Veja-se com quem casaram os filhos deste casal: D. Jorge Alberto de Portugal e Melo casou com Dª Isabel Colón, neta do Almirante Colón; Dª Beatriz de Vilhena casou com D. Jorge de Lancastre, filho do Rei D. João II.

O Almirante Colón escolhia muito bem os seus aliados e apoiantes. Este D. Álvaro de Portugal (Bragança) era Senhor de Tentúgal, Póvoa, Buarcos, Cadaval, e por acaso também de Vila Ruiva e Albergaria, localidades vizinhas da Cuba e actualmente integradas no concelho.

As ligações pessoais de Cristóvão Colon, quer em Portugal, quer em Castela, constituídas pelos três círculos de relações familiares, sociais e profissionais, concentram-se e convergem para Portugal, o Alentejo, o Duque de Beja e Cuba.

Não temos aqui tempo para descrever em detalhe cada uma destas relações, como fizemos no caso de D. Álvaro de Portugal, o que poderá vir a ser mostrado noutras oportunidades, mas podemos referir, muito ligeiramente, Frei Diego Deza,

Após ter apresentado a sua proposta aos Reis Católicos, Cristóvão Colon teve de sujeitar-se às avaliações de uma Junta de Sábios em Castela, presidida por Frei Hernando de Talavera.


O maior apoiante de Cristóvão Colon dentro da Junta foi Frei Diego Deza.

Este Frei Diego Deza era nem mais nem menos que um português, Diogo de Eça, filho de D. Fernando de Portugal e bisneto do Rei D. Pedro I.

Interessantíssimas as ligações familiares de Frei Diego Deza, apoiante de Cristóvão Colon, pois a maioria dos seus sobrinhos e sobrinhas casam nas famílias poderosas da Cuba (Melo e Ataíde, que foram titulares dos seus direitos), nas famílias de vilas contíguas a Cuba – Alvito, Viana, Alcáçovas, nas famílias Zarco e Moniz, havendo mesmo uma ligação com D. Diogo – Duque de Beja.

E podemos também referir, muito ligeiramente, Alonso Sanchez de Carvajal, homem de confiança do Almirante e ao que conseguimos apurar, muito provável descendente do primeiro titular dos direitos da Cuba em 1372, Diego Alonso de Carvajal.


Interessante, sob vários aspectos, o mapa que Juan de La Cosa, mestre da Nau Santa Maria e cartógrafo do Almirante, desenhou no ano de 1500. Nele se representa já todo o continente americano, do Norte e do Sul, apesar de oficialmente, o Norte do continente só ter sido descoberto vários anos mais tarde e no Sul apenas se havia explorado uma ínfima orla na costa norte. Compare-se o desenho de Juan de la Cosa com uma foto satélite actual e veja-se que são praticamente idênticos. Isto reforça a ideia de que aquelas terras já eram anteriormente conhecidas pelos portugueses.

Um outro aspecto prende-se com a miniatura de S. Cristóvão pintada no mapa e a coincidência de um S. Cristóvão com características similares e pouco comuns (Cf. Julieta Marques – “Cristóvão Colom, um filho de D. Fernando, Duque de Beja”) ter sido mandado pintar, num fresco gigantesco, na capela do Convento do Carmo, na Cuba, no ano de 1759. O padre chamava-se João Vieira Mendes e o fundador e titular do padroado era Martinho de Barahona. Singularmente, o fiel secretário do Almirante Colon chamava-se Diego Mendez (ou Diogo Mendes, pois era português) e um dos cunhados de Colon chamava-se Juan de Barahona. Não nos foi ainda possível determinar se havia descendências familiares de uma época para outra, mas é uma coincidência formidável.

Como também não deixará de ser coincidência uma outra gigantesca pintura de S. Cristóvão na catedral de Sevilha, na sala onde se encontra o túmulo do Almirante.


Ainda em Sevilha, no quadro “Virgem dos navegantes” está representado o Almirante Cristóvão Colon, cujo manto é decorado com motivos de três romãs abertas, dispostas em triângulo. No seu túmulo, um dos arautos que transporta a urna trespassa uma romã com a sua lança (Cf. Manuel da Silva Rosa – “O mistério Colombo revelado).

Pois, mais uma vez apenas por coincidência, este mesmo motivo de três romãs existe na Cuba, num portal que pertenceu ao Paço do Duque de Beja. Paço que foi mandado demolir por ordem do Rei Filipe I …


Uma outra pintura, agora no Palácio de Mafra, sala dos Heróis Portugueses ou das Descobertas (Cf. Julieta Marques – Cristóvão Colom, o Almirante de Nobre estirpe”.

São quatro as figuras principais representadas. O Infante D. Henrique (numa moldura), Vasco da Gama vencendo o Adamastor, Pedro Álvares Cabral empurrado por ventos junto ao Brasil e, no quadrante inferior esquerdo, um homem acorrentado. A explicação sobre a pintura, afixada num pedestal, nem sequer o menciona (questionámos a Direcção do Museu e recebemos uma tardia resposta que tal se devia a “falta de espaço”). Mas na própria pintura a legenda é bem clara “A Castilla y a Leon, Nuevo Mundo dio Colon”. Exactamente – Cristóvão Colon, acorrentado por Bobadilla, o que aconteceu em 1500, quando, em nosso entender, os Reis Católicos se aperceberam do logro, depois de Vasco da Gama ter chegado à verdadeira Índia.

Cristóvão Colon, na sala dos Heróis Portugueses!


Todos os historiadores escreveram que ‘Colombo’ estava enganado, pensando que chegara à Índia, mas…

Nas “Capitulaciones de Santa Fé de Granada”, documento onde os Reis Católicos prometem a CC os títulos, cargos e regalias para chegar à Ásia e descobrir o caminho para a Índia, via Ocidente, o texto é:

«como compensação do que descobriu no Mar Oceano e da viajem que agora irá fazer por esse mar ...

fazem, desde agora ao dito Don Cristóbal Colón, seu Almirante em todas aquelas ilhas e terras firmes que descobrir ou conquistar no dito Mar Oceano … »

Cristóvão Colon ludibriou os Reis, pois deslumbrou-os com a Índia, mas o que consta no documento nem sequer menciona a Índia ou a Ásia.


Vários historiadores escreveram que Colombo navegou ao acaso e não sabia medir latitudes.

Somente porque no Diário de bordo consta:

2 Nov: Aqui tomou o Almirante a altura com o quadrante e mediu 42º

Estava na ilha de Cuba, onde a latitude é de 21º.

Agora vejamos. A latitude de 42º (N) corresponde ao limite norte de Portugal, Rio Minho. Colon partiu de Palos, no sul de Espanha, navegou para Sul em direcção às Canárias e daí seguiu para Oeste, sobre o paralelo 28º. Já perto das Antilhas inflectiu para Sudoeste e Sul, até chegar à ilha de Cuba. Seria o Almirante tão incompetente e inconsciente para aceitar que estaria na latitude de 42º?

Seria o Almirante tão incompetente e inconsciente, mas ao mesmo tempo capaz de determinar a melhor rota para a viagem de regresso (de um local que supostamente não conhecia), passando pelas ilhas dos Açores, e sabendo calcular, com grande precisão, o local em que se encontrava, em pleno alto mar?

15 Fev: O Almirante, pela sua navegação, achava que estava

próximo das Ilhas dos Açores... (in Diário da 1ª viagem) –

Peço ajuda aos especialistas aquí presentes para clarificar esta contradição.

Salientando também que era usual os navegadores portugueses registarem os dados náuticos de forma codificada, multiplicando por dois o valor da latitude.

Salientando que Cristóvão Colon veio a Portugal descrever a sua viagem ao rei D. João II e este ameaçou os Reis Católicos, com o seu direito à posse daquelas terras, pelo tratado de Alcáçovas. E que este atribuía a Portugal as terras a sul do paralelo das Canárias (28º N).


Todos os historiadores escreveram que ‘Colombo’, quando regressava para Castela após a sua descoberta, sofreu uma grande tempestade que o arrastou para Lisboa, onde chegou no dia 4 Março, mas…

Ao partir de Portugal para Castela, escreveu aos Reis Católicos, fazendo um aditamento à carta anterior *:

«Depois de ter escrito esta * e de já estar no Mar de Castela, veio tamanho vento… que me fez descarregar os navios, … Mas eu corri para este porto de Lisboa, onde pensei em escrever a Vossas Altezas… Escrita a 14 de Março de 1493»

*A carta anterior dizia:

«Escrita na caravela, perto das Ilhas Canárias, no dia 15 de Fevereiro de 1493»

Sexta-feira, 15 de Fevereiro:

Depois do nascer do sol viram terra; alguns diziam que era a Ilha da Madeira, outros que era a Roca de Sintra em Portugal...;

O Almirante, pela sua navegação, achava que estava próximo das Ilhas dos Açores...

(e não perto das Ilhas Canárias como escreveu na carta * aos Reis)

Quinta-feira, 14 de Março:

Ontem, depois do sol posto, seguiu o seu caminho para Sul, e antes do nascer do sol encontrou-se junto ao cabo de S. Vicente...

Depois navegou para Leste em direcção a Saltés, e andou todo o dia com pouco vento até agora que está junto a Faro.

(e não no porto de Lisboa, onde já tinha chegado no dia 4)

Olhemos agora os registos no seu Diário de Bordo, a partir do dia em que largou da Ilha de Santa Maria, nos Açores, no regresso para Castela.

22 de fevereiro

... na Ilha de Santa Maria

24 de fevereiro

E, como estava bom tempo para partir para Castela... Mandou navegar para Este, e andou cerca de vinte e oito léguas.

25 de fevereiro

Navegou para Este, dezasseis léguas e um quarto. Depois do sol nascer andou outras dezasseis léguas e meia

26 de fevereiro

Navegou no seu caminho para Este, vinte cinco léguas. Depois do sol nascer, com pouco vento e aguaceiros andou cerca de oito léguas para Es-Nordeste

27 de fevereiro

Esta noite e dia andou fora de caminho pelos ventos contrários e grandes ondulação. Encontrava-se a cento e vinte cinco léguas do Cabo de S. Vicente, oitenta léguas da Ilha da Madeira e cento e seis léguas da Ilha de Sta. Maria

28 de fevereiro

Andou da mesma maneira esta noite com diversos ventos para Sul e para Sueste, de um lado e do outro, e para Nordeste e para Es-Nordeste, e assim todo o dia.

1 de março

Andou esta noite para ‘Este quarta de Nordeste’, doze léguas; de dia, para ‘Este quarta de Nordeste’, vinte e três léguas e meia.

2 de março

Andou esta noite no seu caminho para ‘Este quarta de Nordeste’, vinte e oito léguas e de dia andou vinte léguas.

3 de março

Depois do sol posto navegou a caminho de Este. Veio uma rajada que rompeu todas as velas e viu-se em grande perigo. Teria andado sessenta milhas (15 léguas) antes de se romperem as velas; depois andaram com mastro nú devido à tempestade. Viram sinais de estar perto de terra. Estavam perto de Lisboa.


Resumindo, no dia 26 de Fevereiro, o mar estava chão e a Niña navegou na direcção Este e depois Es-Nordeste; no dia 27 registou-se tormenta e a posição da Niña foi indicada pelo Almirante. Estava a 125 léguas do Cabo de S. Vicente, a oitenta léguas da ilha da Madeira e a 106 léguas da ilha de Sta. Maria.

Não tenho conhecimentos de navegação e limitei-me a utilizar processos matemáticos simples para determinar a posição e depois o trajecto do Almirante.

Seria interessante se algum membro da Academia, seguindo o relato do Diário de Bordo, aplicasse os apropriados métodos náuticos e científicos para confirmar ou negar as minhas conclusões.

Marcando num mapa os arcos de circunferência correspondentes a estas distâncias, para determinar o seu ponto de intersecção, que nos daria a posição exacta da caravela, concluimos que, com uma margem de erro mínima, a Niña estaria nas coordenadas (37º 05’N; 17º 40’W), ou mesmo ainda mais para Nordeste, dado que não há, no diário, indicação precisa sobre o número de léguas percorridas nos dias 27 e 28, nos quais, muito provavelmente, teria tentado manter a mesma rota Es-Nordeste já encetada no dia 26.

O Cabo de S. Vicente situa-se aproximadamente nas coordenadas (37ºN; 9ºW). Para se dirigir ao porto de Palos, em Huelva, de onde tinha largado em Agosto de 1492, a caravela teria de aproar um pouco para sul do cabo de S. Vicente, para daí seguir ao longo da costa algarvia até Huelva. Ou seja, como o Cabo de S. Vicente se situa praticamente na mesma latitude da posição da Niña no dia 27 de Fevereiro, a rota a seguir deveria ser directa para Este, inflectindo um pouco para Sul.

Mas não foi isso que o Almirante fez. Depois de no dia 28 ter andado um pouco aos ziguezagues, nos dias 1 e 2 de Março, ele navegou 83,5 léguas, não na direcção Leste que o levaria para Castela, mas sim na direcção ‘Leste Quarta de Nordeste’, (ângulo de 11º 15’ com a direcção Este, conforme me foi confirmado por um especialista em assuntos náuticos) que o levava para um ponto bastante a Norte do Cabo de S. Vicente. A aplicação de um cálculo trigonométrico simples permite determinar esse ponto no Atlântico, garantidamente já bem acima dos 38ºN.


Assim, no dia 3 de Março, quando as suas velas foram rompidas pela rajada de vento (admitindo que essa tempestade aconteceu mesmo) depois de ter retomado a direcção Leste, a caravela Niña encontrava-se efectivamente já a caminho e muito próximo de Lisboa.



Uma outra questão importante relaciona-se com a interpretação do tratado de Tordesilhas.

Enquanto o notável historiador Jaime Cortesão afirma

“admitimos que D. João II defendia conscientemente, em Setembro de 1493, a posse de terras continentais sul-americanas…

o objectivo principal, mas oculto, de D. João II foi o de reservar-se o descobrimento definitivo e o monopólio do caminho marítimo para a Índia …

(Cf. Jaime Cortesão – Os descobrimentos portugueses)

E Mascarenhas Barreto, mais recentemente e provocando grande polémica, vai mais longe e concluí que

Colon foi o agente secreto que provocou o Tratado de Tordesilhas.”

(Cf. Mascarenhas Barreto – O português Cristóvão Colombo, agente secreto do Rei D. João II)

Reagindo ao livro de Mascarenhas Barreto, os detractores da portugalidade de Cristóvão Colon afirmam que a D. João II apenas interessava obter espaço de mar, nomeadamente:

“Ao obter 270 léguas adicionais às 100 que Colombo tinha proposto com o apoio do Papa, os portugueses salvaguardaram a rota sudeste africana ... conseguindo todo o Atlântico Sul de que necessitavam para efectuar a curva larga pelo Oceano, imprescindível para navegar essa rota.” (Cf. A. Pinheiro Marques, “Portugal and the european discovery of America – Christopher Columbus and the portuguese”)

“…A partir de 1488, D. João II sabia já da necessidade de assegurar

uma larga volta pelo poente às armadas que demandavam o Cabo

da Boa Esperança por causa do regime de ventos.”

(Cf. V. Graça Moura, “Cristóvão Colombo e a floresta de asneiras” cit. Luís F. Reis Tomás)



Novamente, e perante esta imagem satélite sobre a qual representei as rotas aproximadas de Bartolomeu Dias (1488) e Vasco da Gama (1497) nas viagens em que contornaram o Cabo da Boa Esperança, e também os meridianos de 100 léguas e 370 léguas para ocidente de Cabo Verde, eu desejo recorrer à opinião de quem sabe de navegação, para que me confirmem se depois da viagem de Bartolomeu Dias, com ventos contrários ao longo da costa africana, embora se pudesse já saber que era conveniente procurar ventos favoráveis, se poderia saber onde sopravam, de molde a procurar garantir tal imensidão de mar que, veja-se, colocaria os navios portugueses a mais de 5.000 Km de distância do cabo da Boa Esperança quando se encostassem ao limite das 370 léguas (admitindo que não existia o continente sul-americano).

As 100 léguas não seriam suficientes? E como poderiam os portugueses conhecer esses ventos favoráveis se nunca tivessem navegado nessas zonas? E não é assim plausível que se conhecesse já a existência do continente sul-americano?

O Tratado de Tordesilhas foi apenas uma consequência dos acontecimentos, da viagem de ‘Colombo’, ou Tordesilhas terá sido uma consequência de objectivos?