segunda-feira, março 30, 2009

COLOMBINADAS (6)

APRECIAÇÃO CRÍTICA AO LIVRO

PORTUGAL AND THE EUROPEAN DISCOVERY OF AMERICA
Christopher Columbus and the Portuguese
(de Alfredo Pinheiro Marques, Ed. INCM 1992)

(continuação)
Parte 6

(2. Viagens empreendidas pelos portugueses no Atlântico Ocidental)

(2.3. O descobrimento português dos Açores e os mapas de Battista Beccario)

pág. 45 – Por outro lado, se as ilhas imaginárias não são as verdadeiras Açores mas, pelo contrário, as habituais ilhas copiadas pelos cartógrafos de mapa para mapa (ainda que eles próprios, por vezes, duvidassem da sua existência), então as terras efectivas que tinham sido “recentemente descobertas” na ocasião em que este mapa foi desenhado, devem ser, com certeza, as próprias Açores, aqui incorrectamente desenhadas e confundidas com o tradicional grupo de ‘Antilia’.
+ Pois é, aqueles cartógrafos eram uns malandros – desenhavam ilhas imaginárias copiando-as dos mapas já desenhados anteriormente para os novos mapas.
Ao contrário, obviamente, dos cronistas sobre Colombo!... Esses sim, não copiavam crónicas e relatos!

(2.5. Viagens portuguesas desde as Ilhas Atlânticas para o Mar Ocidental)

pág. 47 – Juntamente com Diogo de Teive navegou um andaluz chamado Pêro Vasquez (ou Velasquez) de la Frontera, o qual mais tarde viria a relatar as suas experiências com os portugueses a Cristóvão Colombo, fornecendo-lhe informação que o ajudou a preparar o projecto – como sabemos por várias fontes históricas relacionadas com Colombo (quer pelos seus biógrafos quer pelo processo judicial no qual esteve envolvido). Isto teria ocorrido quando Colombo estava na Andaluzia, atarefado na organização dos navios e tripulação para a sua primeira viagem.
+ Foi este mesmo Pêro Vasquez de la Frontera quem afirmou que tinha navegado para Ocidente em busca de terras com um Infante de Portugal. Mas como é difícil ao Autor libertar-se da história que foi sendo copiada de historiador para historiador, cá vem a tal indicação de Pêro Vasquez ter relatado as suas viagens a CC quando este fazia os preparativos para a partida, na Andaluzia apresentada muito secamente. Como se Pêro Vasquez de La Frontera “apenas” tivesse navegado com Diogo de Teive e fosse a passar pela rua, tendo, por mero acaso, encontrado este genovês Colombo. Não o conhecia de lado nenhum, mas ajudou-o a preparar a sua viagem, relatando a Colombo as experiências com os portugueses … (???)
Uma vez que referiu as fontes históricas a propósito de Pêro Vasquez, porque omitiu a alusão ao Infante de Portugal? Para não ter de identificá-lo? Para não se aproximar de argumentos que ajudam a tese da origem portuguesa de CC? E porque não disse que Pêro Vasquez foi um cavaleiro do Infante D. Henrique? E porque o designou por andaluz? Não seria português, como indicam outras fontes?

pág. 51 – Na verdade, enquanto Colombo fazia as suas várias viagens em nome de Castela, os navegadores portugueses continuaram a velejar para Oeste, como sempre tinham feito. É muito difícil saber se estes marinheiros e exploradores das ilhas portuguesas (quer antes quer depois de 1492) encontraram, ou não, terra, principalmente porque eles eram bastante menos letrados que os navegadores italianos, cujos relatos eram rapidamente impressos e publicados na Europa (como vemos claramente no caso de Colombo).
+ O Autor, tal como outros historiadores portugueses que defendem a teoria do Colombo italiano, não admite que pudesse existir em Portugal uma política de sigilo sobre as explorações marítimas. Por esse motivo, a justificação que tenta encontrar para explicar que não se sabe se foram encontradas terras durante as várias expedições que se sabe terem continuado, é a de que os navegadores portugueses eram menos letrados que os navegadores italianos! Uma afirmação que só não parece ridícula porque, logo de seguida, vem outra inqualificável, ao dar como exemplo o caso de Colombo. Sim, Colombo, esse mesmo a quem o Autor qualifica de tecelão semi-analfabeto incapaz de escrever em italiano e cuja educação principal teve lugar durante o período em que viveu em Portugal (cf. págs. 21-22).

(3. Relação entre Cristóvão Colombo e o seu encontro com a América, e os descobrimentos portugueses)

(3.1. Cristóvão Colombo em Portugal)

pág. 59 – Isto foi, sem dúvida, o que aconteceu no caso de Colombo. Então porque é que o seu projecto foi rejeitado? Um motivo simples sugere-se imediatamente por si próprio: em lugar de aceitar a proposta do forasteiro, que seria obrigado a custear, seria mais fácil e barato para o Rei de Portugal ter os seus súbditos das ilhas a executar tal projecto.
+ Ao considerar que a posição de Colombo perante o Rei de Portugal seria diferente da dos súbditos navegadores que viviam nas ilhas, o Autor ‘esquece’ que, pelo facto de ter feito já várias viagens de exploração com os navegadores portugueses (cf. pág. 51 «Colombo também adquiriu experiência navegando nas rotas portuguesas para a Guiné e para o Atlântico Ocidental onde ele coligiu informação acerca das descobertas portuguesas e adquiriu conhecimentos de navegação»), pelo facto de ter casado com uma portuguesa *, de ter um filho nascido em Portugal *, de ter ficado a pertencer a uma família nobre e prestigiada (que lhe facilitaria o acesso ao Rei, segundo os historiadores), Colombo estava em pé de igualdade com os outros navegadores, pelo que não faz sentido considerá-lo aqui, para esta situação, como um estrangeiro.
Parafraseando o Autor, Colombo era um Português (cf. págs. 18-19 «Uma pessoa era, acima de tudo, ‘um súbdito do Rei de Portugal’, ou do rei de Castela ou de um outro senhor (…) o que era crucial nesse período era o território onde a pessoa vivia e o senhor a quem servia».)
Como se deve interpretar esta profunda contradição do Autor que, sobre a questão da nacionalidade, afirma não ter qualquer relação com o local de nascimento mas sim com o território onde se vivia e o soberano a quem se servia e, perante uma situação que apelava precisamente a esse conceito de nacionalidade, tenta justificar um alegado acontecimento invocando que D. João II recusara porque o sujeito era estrangeiro?

(* Estes dados aplicam-se ao Almirante Colon, pois não há qualquer registo destes factos a propósito do genovês Colombo)

pág. 60 – Devemos também relembrar que, em 1486, quando Colombo já se tinha mudado para Castela após a rejeição do seu plano em Portugal, foram emitidas cartas régias a favor do açoriano Fernão Dulmo (para ser mais rigoroso, o flamengo Ferdinand Van Olmen, residente nos Açores) e do madeirense João Afonso do Estreito, garantindo-lhes permissão para navegar o Atlântico Ocidental (a permissão foi de facto atribuída ao primeiro, que depois recrutou Estreito).
+ O Autor deita por terra (agora noutra perspectiva) o argumento explicativo da pág. 59 para a rejeição do plano de Colombo, ao referir agora que o Flamengo Ferdinand van Olmen recebeu carta régia para navegar o Atlântico Ocidental.
Será que este ‘estrangeiro’ era mais português que o ‘estrangeiro’ Colombo?

(3.2. As ideias por detrás do projecto de Colombo, e a sua rejeição pelos portugueses)

pág. 64 – Tal ideia deve ter estado incubando em círculos geográficos por toda a Europa – isto é dizer, este tipo de noção deve ter estado em maturação na imaginação de homens que tinham acesso à herança da aprendizagem clássica, e até mais entre aqueles que tinham também contactos com o mundo prático dos navegadores e das viagens atlânticas – as quais, na altura, como observámos, eram predominantemente portuguesas. O homem capaz de conciliar as duas estaria bem encaminhado para a descoberta, mesmo que acontecesse por erro.
Porquê então, os Portugueses deixaram isto para os estrangeiros que tinham tido contactos com eles e tinham vivido no seu país, em vez de serem eles próprios a envolver-se?
Porque é que Toscanelli, Colombo e Behaim, e não os próprios navegadores portugueses, que estavam melhor equipados e eram mais experimentados? A resposta é provavelmente porque em Portugal sempre existiu uma grande separação entre os seus navegadores e os seus académicos. Os marinheiros portugueses eram certamente os melhores da sua época, mas os seus conhecimentos eram principalmente empíricos e eles teriam pouquíssimo contacto com os letrados círculos universitários, onde se encontravam os elementos da aprendizagem clássica. O que faltava em Portugal nesse tempo era uma burguesia interessada e capacitada para combinar as técnicas práticas (de viajantes) com os conhecimentos escolares (da geografia clássica).
+ Segundo o Autor, os portugueses tinham a prática de navegação mas faltava-lhes a teoria académica, não conheciam a geografia. Ou seja, os portugueses navegavam à toa, sem objectivos pré-definidos (intriga-nos então como insistiam em chegar à Índia contornando a África, pois não poderiam saber nem imaginar que o continente africano não se prolongava infinitamente para sul…).
Por sorte (…) viveu entre nós alguém com capacidade para conjugar o conhecimento empírico com o conhecimento académico da Geografia clássica. Esse alguém, segundo o Autor, foi Cristoforo Colombo.
Mas… não afirmou anteriormente o Autor que a Colombo faltava experiência (cf. pág. 61 - «A falta de experiência de Colombo foi certamente uma das razões pelas quais a sua proposta de navegar para a Índia pelo Oeste foi recusada ou adiada pelo Rei de Portugal, mas não foi provavelmente a principal razão».) e também que chegou a Portugal praticamente analfabeto e foi cá que efectuou a sua aprendizagem (Cf. págs. 21/22 - «É verdade que Colombo não escrevia (e provavelmente não falava) nenhum dos numerosos dialectos italianos da época, especificamente aqueles de ao redor de Génova»)? Pelos vistos, na perspectiva do Autor, estes estudos avançados em Portugal destinavam-se apenas a estrangeiros como Colombo…

pág. 66 – Como mencionado no capítulo anterior, em 1474, ou por sua própria iniciativa ou em resposta a anterior pedido de informação, Toscanelli escreveu uma carta ao seu amigo Fernão Martins, cónego de Lisboa, e por seu intermédio, para a corte portuguesa, propondo uma viagem no sentido Oeste para alcançar os confins da Ásia de marco Pólo. Parece que incluiu um mapa para ilustrar a sua proposta, mas este perdeu-se. Porém, uma cópia da carta para Martins sobreviveu, escondida dentro dum exemplar da Historia Rerum, detido pelo próprio Colombo.
Como se podem interpretar estes factos?
Ambos os biógrafos de Colombo, seu filho Fernando e Bartolomé de Las Casas, se referem a este episódio e citam a carta de Toscanelli para Martins, adicionando-lhe uma segunda carta, agora endereçada directamente a Colombo, na qual Toscanelli repete os seus pontos de vista e encoraja o seu correspondente a pô-los, ele próprio, em prática. Há bons motivos para duvidar da autenticidade desta segunda carta, a qual pode, na verdade, ter sido construída a partir da primeira; mas há reais possibilidades de que ela seja verdadeira.
Os dois biógrafos sustentam que Colombo levou a sugestão de Toscanelli muito a sério e que ela teve considerável influência no desenvolvimento dos seus planos. Estranhamente, porém, Colombo nunca mencionou a carta e, contrariamente ao que se possa esperar, nunca invocou a autoridade do letrado florentino para justificar a ideia de navegar para ocidente. Isto provavelmente porque ele não podia permitir-se que se soubesse que tinha visto a carta de Toscanelli. É possível que a carta envolvesse o que se pode classificar de ‘informação confidencial’
+ O Autor considera que há bons motivos para duvidar da segunda carta, a de Toscanelli para Colombo, que estava em Lisboa, e também acha estranho que Colombo nunca a tenha mencionado nem invocado a autoridade do letrado florentino.
O facto é que não é nada conveniente para os defensores do Colombo italiano, que Colombo tenha recebido em Lisboa, uma carta de Toscanelli, em 1474.
Pois se a sua versão da história afirma que ele cá chegou, milagrosamente náufrago, em 1476 … e era semi-analfabeto.
Nesta carta de Toscanelli não se vê o nome do destinatário na cópia conhecida pelos historiadores, mas ela menciona a grande nação portuguesa do destinatário, e faz referência à carta enviada anteriormente a Fernão Martins, “alguns dias antes”.
Sendo a carta para Fernão Martins datada de 25 Junho de 1474, então a segunda carta foi escrita também em 1474.
Para tentar justificar que a carta escondida no livro de CC não será autêntica, o Autor invoca que CC nunca a ela se referiu e que provavelmente Colombo teve acesso não autorizado à primeira carta e fez uma cópia do seu conteúdo, que a corte portuguesa queria manter confidencial.
Portanto, segundo o Autor, Colombo ter-se-ia dado ao trabalho de copiar, com modificações, uma carta contendo informação confidencial, mas nunca revelou que a tinha, embora a tenha guardado até ao final da sua vida. É um argumento pouco sólido, pois ou Colombo copiaria apenas os dados que lhe poderiam ser úteis ou copiaria integralmente o original. Adulterar a cópia da carta, simulando que era uma carta dirigida a si, só faria sentido se Colombo tivesse apresentado essa cópia como suporte para o seu projecto.

Pág. 67 – Em suma, o que parece muito claro é que, naqueles anos, a possibilidade de uma bem sucedida procura da Índia pelo Oeste, estava no ar. Tudo dependeria do grau de precisão na estimativa das distâncias a percorrer. E, como vimos, Colombo pensou que elas eram bem menores do que efectivamente eram. (…)
Como também vimos, simultaneamente isto foi provavelmente a principal razão para a rejeição da sua proposta em Portugal. Os cosmógrafos reais, que tinham acesso não só à geografia ptolomaica mas também aos mais avançados estudos da astronomia árabe e judaica na Península, e acima de tudo à experiência prática dos próprios navegadores portugueses, estavam provavelmente cientes que as estimativas de Colombo eram fortemente imprecisas.
+ Segundo o Autor, a hipótese de se poder chegar à Índia pelo Poente já andava no ar, mas Colombo estava enganado na distância e a sua proposta foi rejeitada em Portugal porque os cosmógrafos do Rei, com os seus conhecimentos de geografia clássica, com os mais avançados estudos árabes e judaicos e acima de tudo com a experiência prática das navegações portuguesas, sabiam que Colombo estava errado e que a Ásia ficava mais distante.
Espantoso! Na pág. 64 o Autor defendia que existia uma grande separação entre os navegadores práticos e os académicos portugueses e que por esse motivo teriam de ser os estrangeiros a desenvolver a ideia de chegar à Ásia pelo Poente, e afirma agora que com os seus conhecimentos académicos e com a experiência prática, os portugueses sabiam que Colombo estava errado.

Juntando alguns dos pontos apresentados pelo Autor, pode-se concluir que:
1) O Rei português sabia que deveria haver terras a Ocidente (Cf. pág. 60 - «emitiu cartas régias para Fernão Dulmo procurar terras a Poente»)
2) O Rei português sabia que essas terras não poderiam ser a Ásia, que ficava muito mais distante, (Cf.. pág. 67, acima)
3) Havendo terras que não poderiam ser a Ásia, eram outras terras, ainda não conhecidas.

3 comentários:

  1. Um dos aspectos mais chocantes no texto de Pinheiro Marques é que tenha omitido a informação de que Pero Vasquez de la Frontera era um cavaleiro da casa do Infante Dom Henrique.
    E a questão das datas das cartas de Toscaneli também não abona nada a seu favor: aquilo que não encaixa na história do genovês, esconde-se para que ninguém se aperceba.
    Adamastor

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  2. Ó Carlos Calado,
    Onde é que foste buscar isto: «Pêro Vasquez foi um cavaleiro do Infante D. Henrique?»
    Não estás tu agora a inventar?

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  3. Caro anónimo,
    Sobre Pero Vasquez de la Frontera, pode ver que a Wikipedia refere ter ele sido um cavaleiro do Infante.
    Obviamente que isto se baseia noutro tipo de fontes anteriores que lhe poderei indicar noutro dia, pois não tenho neste momento essa indicação comigo.
    (embora eu creia que me baseei em Jaime Cortesão e/ou Navarrete)
    Carlos Calado

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